As experiências lúdicas foram e são lugar de pesquisa e experimentação por parte de profissionais das mais diversas áreas. Interessados em estabelecer um diálogo sério e compromissado a partir de um assunto leve, que rendeu iniciativas bastante interessantes em vários campos ao longo do tempo, esses agentes colocam em debate o potencial das ferramentas que despertam tais situações ligadas ao prazer, à imaginação, à diversão e, em muitos casos, à infância.
No campo da arquitetura, projetos notáveis fizeram uso da estratégia lúdica na construção de seus espaços. Exemplo importante dessa abordagem são os projetos das Escolas Apollo, do holandês Herman Hertzberger, edifícios alinhados a uma vertente vanguardista de ensino básico, que materializam nos projetos preceitos referentes a uma proposta pedagógica que tinha como um de seus nortes o sentido lúdico e coletivo do aprendizado infantil.
Apesar disso, não foi só no campo espacial que se aventuraram alguns arquitetos e designers no intuito de lidar com este universo. Materializar o lúdico tem uma resposta imediata, quase evidente, que foi objeto de experimentação de alguns profissionais: os brinquedos. Reunimos aqui alguns exemplos que mostram que a fronteira entre o lúdico e o objeto tem um espaço de ligação direta: o desenho, o projeto.
Ray e Charles Eames
Reconhecidos por inúmeros projetos que representaram uma contribuição central na arquitetura e no design de mobiliário moderno, o casal norte-americano Ray e Charles Eames fizeram alguns projetos de brinquedo bastante relevantes dentro desse contexto produtivo. O interesse por esse universo foi tamanho que até mesmo no site oficial que reúne o portfólio de obras da dupla, há uma seção reservada exclusivamente para as propostas de brinquedos. Alguns destaques dessa produção, concentrada sobretudo na década de 1950, são as peças feitas a partir de caixas. Partindo da ideia de que, muitas vezes, a embalagem dos produtos atrai mais a atenção das crianças do que o próprio conteúdo, o casal propôs alguns objetos que enfatizam noções de composição e estrutura, e que deveriam ser feitos pelas próprias crianças a partir das caixas de móveis da empresa Herman Miller, responsável pela fabricação e distribuição das famosas Eames Storage Units. Com isso, o que se criava era uma possibilidade de vincular o prazer dos adultos, que adquiriam as peças de mobiliário, e o das crianças, que tinham infinitas possibilidades de construir com as caixas de papelão.
Outro exemplo muito reconhecido são os elefantes de plástico. Em 1945 o casal projetou uma série de animais construídos com esse material, feitos em uma escala adequada para que as crianças se sentassem sobre eles, atribuindo um uso livre estimulando o imaginário infantil. À época, poucos exemplares foram produzidos e as peças nunca entraram em uma lógica de fabricação industrial. No entanto, em 2007, ocasião da celebração do centenário de Charles, a empresa suíça de móveis, Vitra realizou uma tiragem de duas mil peças desse período, elegendo o elefante como representante do projeto. Os exemplares foram feitos em plástico, ganhando muita resistência e permitindo o uso enquanto brinquedo ou objeto decorativo.
Alexander Girard
Arquiteto novaiorquino também conhecido como Sandro, Alexander Girard teve uma carreira reconhecida, sobretudo, por projetos de design têxtil, trabalhado também para a Herman Miller - inclusive, criando tecidos para móveis do casal Eames. Em 1953, Girard realizou uma série de bonecas de madeira, as Wooden Dolls, como um projeto paralelo e pessoal. Trata-se de um conjunto de figuras, humanas e animais, construídas detalhadamente em madeira e pintadas à mão. Apesar de não ter sido pensada em um âmbito comercial e de ampla produção, as peças originais serviram de referência para reedições produzidas pela Vitra e que são vendidas até hoje no site da empresa.
Elvira de Almeida
Formada em design em 1978, Elvira de Almeida foi professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo até 1993. Em sua carreira, dedicou-se ao estudo de praças públicas, criação de artefatos lúdicos e a dimensão poética dos espaços. A grande identificação com as experiências que despertam a imaginação tem origem na infância da própria artista, como descreve:
"Adorava subir em árvores, brincar, imaginar. Fico pensando como deve ser triste não conviver com tudo isto. Daí, a razão de tentar despertar esse mundo para a garotada através dos parques e praças que existem na cidade." (ALMEIDA,1985,p.20)
Tal vontade de "despertar esse mundo" se concretiza nos projetos que estimulam os sentidos, a criatividade e expressividade do público infantil a partir da exploração com materiais recicláveis em espaços públicos urbanos. A partir de 1977, Almeida empreende alguns experimentos de esculturas-brinquedo, artefatos que contribuíram para o debate do brinquedo como intermediário da relação entre a vida pública da cidade e a dimensão lúdica sintetizada a partir da exploração de uma linguagem material.
“Induzir a criança a pensar e sentir com os olhos, a mão o corpo todo, dando vida a um cenário lúdico feito de carrosséis, totens, árvores, pássaros...O espaço lúdico deve tornar a criança ativa através da brincadeira livre, sensorial e criativa, deve também criar situações - estimulo à expressão lúdica, como possível alternativa ao comportamento consumista e passivo da criança urbana.” (ALMEIDA,1985,p.28)
Anouck Boisrobert e Louis Rigaud
Os designers franceses Anouck Boisrobert e Louis Rigaud transitam no universo do design gráfico em seus trabalhos individuais ou em dupla. Seus projetos trazem à tona as inúmeras possibilidades da exploração da impressão e editoração, com diversos livros que vão além da dimensão bidimensional tradicional desse meio. Em 2010 realizaram um projeto editorial que se relaciona diretamente com o tema da arquitetura enquanto experimentação lúdica, o livro Popville. Publicado pela editora de livros infantis Macmillan, o livro-brinquedo convida o leitor a interagir em um cenário imaginário de construção de uma cidade que vai crescendo conforme avança a leitura.
Nido Campolongo
Em 2001, o cenógrafo, designer e artista plástico brasileiro Nido Campolongo, participou da exposição Brincadeiras de Papel, no Sesc Belenzinho em São Paulo. Seu trabalho notável com este material se apresenta em móveis, peças decorativas e outros objetos que revelam e flexibilidade e as inúmeras possibilidades do papel em um sentido construtivo. Na ocasião da exposição, apresentou seu trabalho Casa do Leitor, uma cobertura que recebia atores que contavam histórias para o público, que ocupavam os espaços domésticos propostos pelo artista, interagindo com os objetos e dispositivos presentes na obra, todos construídos em papel. O sentido lúdico do espaço e objetos, complementava de forma sintética as atividades que transcorriam no ambiente.
Esses diversos exemplos das possibilidades de contribuição de profissionais do campo do desenho para o universo infantil celebram a criança, a imaginação e a disposição ao lúdico. Apesar de cada parte do mundo comemorar o Dia das Crianças em datas diversas, seja pela proclamação do Dia Internacional da Criança na Conferência Mundial para o Bem-estar da Criança em 1 de junho de 1925, ou pela aprovação Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1959 pela ONU, sobram motivos para homenagear esse período da vida que nos relembra da constante importância da espontaneidade e diversão em todos os momentos e espaços da vida.
Bibliografia:
ALMEIDA, Elvira de . Arte Lúdica. São Paulo: EDUSP/ FAPESP,1997. A criança e a invenção de seu espaço: A expressão lúdica como elo entre designer e o usuário , São Paulo: Dep. Projeto FAUUSP (dissertação de mestrado) – 1985 . orientadora: Lucrécia D’Alessio Ferrara.